Sobre empatia: teoria x prática - Maria Fernanda Medina Guido

Sobre empatia: teoria x prática

Na semana passada saindo da clínica, me distraí, calculei errado a ré batendo no carro estacionado do outro lado da rua. Quando desci do carro para ver o tamanho do estrago, uma moça, que descobri depois é vizinha da clínica e eu devo ter cruzado com ela muitas vezes nestes últimos meses, veio em minha direção. Achei que o carro era dela, ela me disse que não, apontou de qual casa era, virou para mim e disse: “vou ficar aqui com você porque de repente o dono do carro pode se irritar e não é bom você estar sozinha.” Eu, aflita em resolver a situação, nem me atentei ao tamanho disso. Conversei com o proprietário, me desculpei, passei meus dados, agradeci a ela também e fui embora.
Chegando em casa depois de conversar com o meu corretor e ir voltando ao eixo é que percebi o tamanho do que ela tinha feito: quem é que fica junto a um desconhecido numa situação de confronto para que ele não se sinta mais desprotegido? Você ficaria? Eu me peguei fazendo essa pergunta muitas vezes nos últimos dias. Não sei se eu ficaria, por mais horrível que isso possa parecer. E antes que você me ache terrível, explico. Considero, apesar de entender que é treino, fácil ser empática com quem amo, com quem conheço, com meus pacientes. Afinal de contas para mim empatia é premissa básica no trabalho de psicólogo. Mas ter empatia com um desconhecido, ou pior, ter empatia com alguém que está lhe causando desconforto, é um exercício muito mais complicado. Por isso valorizei tanto sua atitude e também valorizei demais a atitude do dono do carro, que percebeu meu desconforto ao me desculpar novamente por mensagem uma hora depois do ocorrido e me respondeu: “não se preocupe, isso é coisa que acontece.”

Dois desconhecidos.

Fui dormir pensando que em tempos tão difíceis talvez de fato essa seja a nossa única alternativa. Empatia. Enxergar de verdade o outro, entender que quase ninguém acorda pela manhã e pensa: hoje darei uma ré bem na porta do carro do fulano para causar bastante desconforto a ele. A maioria das pessoas só está tentando acertar. Ser feliz. Só que muitas vezes nessa busca a gente erra. Incomoda. Causa transtorno, prejuízo. Em algum momento falharei com você e você comigo, e tudo bem. Se conseguirmos nos lembrar disso, será muito menor o desconforto. E em relação a desconhecidos, mesmo princípio: o motorista que te fechou no trânsito talvez só estivesse muito envolto a seus problemas, muito provavelmente não era uma pessoa horrorosa.
Acho que vale a tentativa e decidi que quero ser mais essa pessoa. A que enxerga de verdade e se coloca no lugar do desconhecido, tenta entender sua aflição e ajuda ao invés de julgar. O mundo seria um lugar muito menos hostil não?

Quem topa? Vamos juntos? ❤

 

Última atualização: escrevi esse texto ontem à tarde e fui para a clínica. No caminho, me irritei com três motoristas diferentes, ou seja, falhei lindamente. E tudo bem. Empatia é treino, alguns dias serão mais fáceis, outros não. Só preciso tentar me lembrar de não entregar os pontos e voltar ao automático. Então, se acontecer contigo, respira fundo e retoma. Até que fique mais fácil, mais genuíno.

Com carinho,

M Fernanda

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